Entendendo nosso Cérebro em meio às Transições

Transicao Transcultural

Conhecer o funcionamento do cérebro pode nos ajudar em situações novas, difíceis ou inesperadas.

São tantas as situações da vida em que sentimos que não estamos no controle. Tantas as situações que nos tiram do sério! (até nós, mulheres multiculturais experientes!)

            Pensem nas transições de fase de vida que vocês já viveram ou estão vivendo. Agora adicione a isso as transições de campo transcultural. Agora multiplique isso a quantidade de pessoas da sua família nuclear. Por exemplo; para as que são mães, estamos ao mesmo tempo lidando com nossos próprios sentimentos em meio às transições e com os dos nossos filhos (e maridos também!). Não me admira que em alguns momentos da vida, nos sintamos esgotadas emocionalmente. 

            Ulrika Ernvik em seu livro ‘Third Culture Kids: A Gift to Care For’ (Filhos de Terceira Cultura: Uma Dádiva a Ser Cuidada)* explica de forma linda e fácil de entender o que acontece em nosso cérebro nos períodos de mudanças e transições. Esses conceitos têm ajudado muito a mim e minha família especialmente nos momentos simples e corriqueiros da vida como vocês verão mais à frente. 

            Durante esses períodos de transição, nossa amígdala trabalha muito. “A amígdala é uma ‘amiguinha’ no nosso cérebro que fica de olho para identificar o perigo. Assim que percebe algo como perigoso, ela inicia as respostas do corpo de medo e proteção.” (Ernvik, p.165)

Outro amigo do nosso cérebro é o hipocampo, ele é responsável por armazenar memórias. Portanto, quando estamos em um novo lugar, em uma nova cultura ou passando pelas fases normais de transição no desenvolvimento humano (como tornar-se adolescente), “A amígdala pergunta ao hipocampo se já experimentamos algo semelhante anteriormente, e se a experiência naquela época foi boa ou ruim. Se foi boa, a amígdala se acalma. Se foi ruim, a amígdala vai começar a resposta de estresse e medo. Quando tudo é novo, a amígdala precisa decidir muita coisa sozinha, já que o hipocampo não tem resposta. Para garantir a segurança, a amígdala sinaliza perigo, mesmo que a situação não seja perigosa.” (Ernvik, p.166).

Nem é preciso dizer que isso pode causar a nós, e aos filhos, muitas reações inesperadas. A resposta de ‘fuga ou luta’ de um membro da família pode causar desequilíbrio também nos outros membros da família, criando uma reação em cadeia que é exatamente o que nenhuma família precisa em uma transição, mas tão comumente vivência.

Entendendo o cerebro

Por exemplo, outro dia minha filha viu uma criança mais nova usando uma camiseta que era dela. Semanas antes disso, ela e eu havíamos levado algumas roupas dela que não serviam mais para a casa dessa amiguinha. Minha filha sabia que estávamos doando aquela camiseta específica. No entanto, ela nunca tinha experimentado antes, ver sua amada camiseta em outra criança. Quando ela viu, ela perdeu o controle.

Em seu cérebro as coisas estavam acontecendo rapidamente. Sua amígdala tinha que tomar uma decisão sobre como se sentiria ao ver aquela camiseta em outra criança. Sua amígdala perguntou ao hipocampo: ‘você tem alguma lembrança dessa situação? Como foi? Está tudo bem ou não?’. Seu hipocampo não tinha resposta, ela nunca havia experimentado isso antes. Então a amígdala enviou ao seu cérebro pensante um sinal de angústia, consequentemente, minha filha perdeu o controle e chorou inconsolavelmente.

Nos workshops de Ulrika ela explica esta situação usando uma mão em punho fechado e uma outra mão em punho semiaberto. Na imagem abaixo você precisa imaginar que ela representa o nosso cérebro. Dentro do nosso punho está o nosso sistema límbico (amígdala e hipocampo), que é o nosso cérebro emocional; a ponta dos nossos dedos representa o córtex, nosso cérebro pensante; e nosso pulso seria o tronco cerebral, o que nos faz agir, como chorar ou lutar.

Cerebro pensante

Em um ambiente normal onde nos sentimos seguros, compreendidos e protegidos, o nosso cérebro está conectado como na imagem acima, a comunicação entre o nosso cérebro pensante, o nosso cérebro emocional e o tronco cerebral está funcionando bem e é estável. Quando estamos em um lugar novo e o sentimento de confusão, tristeza e vergonha começam a aparecer, nosso cérebro se desconecta, como na imagem do punho semiaberto abaixo.

A amígdala percebe as novas situações e tenta se comunicar com o hipocampo, por sua vez o hipocampo não tem memória de ter vivenciado algo assim. A amígdala então envia um sinal de perigo e toda a resposta de ‘fuga ou luta’ começa. Nosso cérebro pensante se desconecta, como o da minha filha na situação da camiseta descrita acima, até que alguém com um cérebro conectado apareça ao nosso lado.

Cerebro

É isso que vemos nas famílias em transição e nas crianças em transição de uma fase do desenvolvimento para outra (sem falar de nós, adultos, nas muitas transições de fases de vida pelas quais passamos como adultos). Como escreve Ulrika: “A maioria dos FTCs (Filhos de Terceira Cultura) precisa de apoio neste processo, pois a integração é algo que o cérebro de uma criança não consegue fazer sozinho. A integração de diferentes experiências de vida exige funções que somente o cérebro adulto tem. Portanto, é crucial que o FTC tenha adultos ao seu redor que possam ajudá-lo a constantemente integrar as novas experiências em sua história de vida.” (Ernvik, p.50).

O luto nas transicoes

Voltando a situação com minha filha de 5 anos, como era de se esperar, meu sistema límbico e o de meu marido, também estavam trabalhando rapidamente, e a cada vez que nossa amígdala perguntava a nosso hipocampo se já havíamos experimentado isso alguma outra vez, nosso hipocampo enviava diversas mensagens sobre as inúmeras vezes que havíamos passados por isso com ela e com nossos outros dois filhos e como poderíamos reagir. 

Tentamos todos os truques que conhecíamos para acalmar uma criança, mas nenhum deles funcionou desta vez. Recorremos a ignorar porque estávamos no refeitório do seminário e precisávamos comer e ir embora, o que também não ajudou em nada. De repente pensei sobre essa descrição dos punhos que eu tinha acabado de escrever em meu TCC. Então fechei as mãos e contei a ela, com um vocabulário infantil, o que acontece com o nosso cérebro quando enfrentamos uma situação que nos perturba, como ela estava enfrentando. Ela parou de choramingar imediatamente e, por gostar muito de ouvir histórias, me pediu para contar a ela uma história sobre um ‘cérebro fechado’ e um ‘cérebro aberto’.

De alguma forma, ela entendeu como sua mente estava pensando. Ela deixou meu cérebro conectado acalmar o dela e então ficou bem, seu cérebro se conectou novamente. Mais tarde naquele dia, ela viu a menina novamente com a mesma camiseta e sem eu perguntar nada, me disse: ‘mamãe, não estou mais triste por causa da minha camiseta, meu cérebro está fechado!’.

Confesso que foi um momento emocionante para mim. Também me surpreendeu o quanto a compreensão de como nosso cérebro pensante e emocional funciona pode nos ajudar em uma situação de vida normal.

O cérebro e as transições

Compreender a reação física normal que nosso corpo enfrenta deve ser um incentivo para nós, mulheres multiculturais. Isso pode nos ajudar a mostrar compaixão pelos nossos filhos, por nós mesmos e pelas famílias multiculturais de quem cuidamos. Que possamos ser o cérebro conectado de que eles precisam em tempos de transição e incerteza.

Para isso temos que nos lembrar que para termos um cérebro conectado, precisamos do nosso Pai eterno, precisamos ir a Ele que é o único ‘cérebro conectado’ perfeito que nos ajuda a lidar com nossos próprios cérebros desconectados quando enfrentamos situações nova, difíceis ou inesperadas. “Deus é o nosso refúgio e a nossa fortaleza, auxílio sempre presente na adversidade. Por isso não temeremos…” Salmo 46:1-2b

*O livro Filhos de Terceira Cultura: Uma Dádiva a Ser Cuidado, ainda vai ser lançado em português

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Carolina Rout

Brasileira, seguidora de Cristo, casada com Philip Rout (inglês), tem três filhos Benjamin, Samuel e Joanna. Junto com seu marido são trabalhadores da Latin Link Brasil. É formada em Pedagogia.

4 comentários em “Entendendo nosso Cérebro em meio às Transições”

  1. Andrea Espirito Santo

    Que precioso! Eu precisava ler isso agora mesmo. Muito obrigada! Tao pratico ao mesmo tempo que é bem didatico com uma teoria poderosa, ainda mais qdo bem aplicado. Muito obrigada pelo texto e o exemplo da tua filha, Carol. Ate acho que “to vendo minha camiseta por ai” e minha amigdala percebeu perigo! Mas se Deus quiser meu cerebro se fechará 🙂

    1. Poxa Andrea, eu também achei uma explicação super clara. Ha ha ha ha e amei a o seu resumo: ” estou vendo minha camiseta por aí” , como nos sentimos assim tantas vezes, né?

  2. Bom dia meninas, ótimo resumo mesmo! Passamos por isso tantas vezes e pelas mais diversas razões! Nada como conversar sobre essas situações com uma amiga, e nos voltarmos a Deus, sem medo do que é incerto.
    Foi muito bom pensar sobre isso hoje para mim também ao ler os comentários de vocês. Com 2023 terminando e um novo ano quase aí, tenho que tomar algumas decisões para 2024 sem saber realmente o que o ano vai nos trazer.
    “Deus é o nosso refúgio e a nossa fortaleza, auxílio sempre presente na adversidade. Por isso não temeremos…” Salmo 46:1-2b

  3. Carol, excelente explicação sobre o funcionamento do nosso cérebro nas reações emocionais.
    Elas são inesperadas e nos desorganizam como aconteceu com tua filha. Entender este processo com a ajuda de alguém traz novamente o equilíbrio. Parabéns pela simplicidade ao explicar algo tão complexo! Amei!

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