Uma história transcultural de Natal

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Expectativas X Realidade ao celebrar entre culturas

Saí do Brasil em 2010 com uma visão de mundo totalmente monocultural. 

Uma jovem ingênua e sonhadora que nunca tinha vivido fora de sua pátria e com tanto a aprender. 

O Natal sempre foi algo especial em meu coração, regado de valores, boas memórias e significados. Uma data dedicada a celebrar a vida de Jesus. 

Sabemos que milhões de cristãos mundo afora celebram o Natal. Naquela época eu já entendia que diversas famílias celebram esta data de formas diversas, mas por alguma razão, esperava que junto à minha equipe, iría celebrar como família, todos juntos, como fazíamos no Brasil. 

Como em diversas outras áreas da vida transcultural, as expectativas e realidades parecem não se encontrar no mundo aqui fora. E por que com relação a celebração de Natal eu pensava que seria diferente? 

Chegamos em Madagascar no mês de novembro, sendo a única família de brasileiros de nossa equipe.  Estávamos empolgados para os planos de passar mais tempo juntos para conhecer e nos conectar como irmãos e como equipe de trabalho. 

Percebemos que algumas conversas sobre a celebração de Natal já haviam começado. Estávamos num período em que ainda não tínhamos nos ajustado ao no novo local. Nossa casa ainda não tinha móveis, ainda não sabíamos ainda onde comprar as coisas, e mesmo assim, a brasileira sem noção sugere a equipe:

Vamos fazer o Natal na nossa casa?! Que tal fazermos um jantar no dia 24 de dezembro à noite? 

As pessoas meio sem jeito respondiam: Há, vamos pensar, vamos conversar mais sobre isto….

Achei um pouco estranho aquelas respostas até compreender que para muitos o Natal é celebrado no almoço do dia 25 e somente com a família nuclear. E que minha proposta foi um choque para nossa equipe que não conseguia entender o que fariam com as suas crianças que estavam acostumadas a dormir as 7 horas da noite. E que questionavam o por quê de fazermos algo tão tarde se poderíamos fazer algo durante o dia?

Após algumas conversas, resolvemos fazer o Natal como equipe e em minha casa, no almoço do dia 25 de dezembro. E nesta conversa de planos para o Natal alguém pergunta: qual será a programação? E a que horas a festa terminará? 

Daí já logo pensei: – E festa tem hora para terminar? 

Sim, em algumas culturas, para as festas (e até mesmo visitas entre amigos), devemos  combinar previamente os horários de chegada e saída, horário para o começo e para o fim. Isso soava estranho para mim.

Concordo que para um tempo de culto seria necessário uma programação clara e intencional, mas fiquei um pouco preocupada, matutando como que depois disso poderíamos manter um horário rígido para diversão? E como eu poderia dar um horário definido para uma boa conversa terminar? 

Mas, mesmo ainda sem compreender completamente, topamos o combinado que o Natal seria então no dia 25 de dezembro do meio-dia às 14:30 horas. 

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Como já disse, não sabíamos ainda onde adquirir objetos que nos ajudariam a decorar a casa para nossa festa. Assim, cortamos o galho de uma árvore na vizinhança e fomos decorar com o que tínhamos, o que foi bem divertido para nossos filhos. E como para nós não há e nunca houve grandes expectativas quanto a presentes, combinamos em compartilhar objetos que representavam o nosso carinho como família (doces, algo da natureza, ou um brinquedo de algum “garage sale” (quando os estrangeiros colocam objetos usados para vender em suas varandas). 

Assim, chegou o Natal. No dia 24 fizemos um culto em família (eu, meu esposo e as crianças), e no dia 25 aguardávamos a nossa equipe . Eles chegaram e, para variar, eu estava atrasada com a comida. As mulheres acharam muito estranho a mesa ainda não estar com tudo pronto, se sentaram para aguardar, enquanto eu achava estranho que elas não se prontificassem a me ajudar na cozinha com o que ainda faltava. 

“Pois, quando deixamos de lado as expectativas irreais e aprendemos a ressignificar nosso jeito de celebrar, Deus nos dá o privilégio de experimentar e desfrutar de algo novo, algo inesperado”.

Começamos o almoço atrasados e depois seguimos a programação para o tempo de devocional e louvor. Daí seguimos para algumas brincadeiras e quando o horário combinado chegou, não importava se estava muito legal e se tínhamos mais brincadeiras programadas, tudo parou às 14horas e 32 minutos. Ao chegar o horário marcado, rapidamente já não havia mais nenhuma visita em nossa casa, só nós, e toda a bagunçada e louças sujas, pois ninguém teria se oferecido a ajudar. 

Este foi o nosso primeiro Natal fora da pátria e que nos trouxe tanto aprendizado sobre diferenças culturais e quanto as diferentes formas de celebrar o nosso Salvador. 

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Sim, passamos por desapontamentos e frustrações, mas aprendemos que em meio aos colegas, amigos e familiares, ou mesmo quando estamos só, ou entre nós quatro (em nosso caso a maioria dos anos), escolheremos sempre celebrar Jesus. 

Aquelas festas e cantatas de Natal que participávamos no Brasil, já não poderíamos mais participar. Não seria saudável ou real esperar que a celebração de Natal acontecesse da mesma forma nos lugares por onde servimos, e é importante reconhecer que está tudo bem! Pois, quando deixamos de lado as expectativas irreais e aprendemos a ressignificar nosso jeito de celebrar, Deus nos dá o privilégio de experimentar e desfrutar de algo novo, algo inesperado. E mesmo em meio ao simples e singelo, haverá alegria no coração. 

Aprendi durante estes anos mundo afora que a palavra de Paulo sobre contentamento também pode aplicar-se aos dias de festa e celebrações longe de nossa pátria:

“Sei bem o que é passar necessidade e sei o que é andar com fartura. Aprendi o mistério de viver feliz em todo lugar e em qualquer situação, esteja bem alimentado, ou mesmo com fome, possuindo fartura, ou passando privações”. Filipenses 4:12

Talvez você não tenha um Natal com uma mesa farta de comidas que compartilharia em sua nação. Talvez os familiares e amigos que você gostaria de estar perto não estarão presentes em sua mesa. Talvez as pessoas locais não compreenderão sobre o quanto e como esta data é especial para você. Mas, se você escolher, nada disso será barreira para que tenha um natal em contentamento e alegria. Pois, certamente a razão do Natal, a presença de Jesus jamais nos faltará. 

Ele, que nasceu em simplicidade. Ele, um rei que repousava em uma manjedoura. Ele sempre estará em nossa mesa, ao nosso lado, como convidado de honra. Por isso, onde quer que estejamos, sabemos que é possível desfrutar de um abençoado e feliz Natal!

 Valeska Petrelli

Idealizadora e Gestora do CMM

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Valeska Petrelli

Idealizadora e Gestora do CMM
Mentora CMM no cuidado da mulher multicultural
Conselheira CMM Serve com a MIAF no cuidado integral de trabalhadores transculturais. Psicóloga, terapeuta cristã, especialista em Gestão de Pessoas.

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