O planejar e o construir na vida transcultural

“Se um de vocês quer construir uma torre, primeiro senta e calcula quanto vai custar, para ver se o dinheiro dá. 29Se não fizer isso, ele consegue colocar os alicerces, mas não pode terminar a construção…” (Lucas 14:28 -29)

No final do ano passado meu esposo e eu tivemos Covid, estivemos internados por duas semanas com oxigênio. Fomos muito bem tratados pelo Sistema de Saúde espanhol. Tivemos bastante tempo para refletir e fazer uma avaliação da nossa vida e rever as decisões que fizemos a longo prazo. Uma das decisões acertadas foi sermos contribuintes da Previdência Social da Espanha, país onde servimos como missionários. Agradecemos a Deus pelo tratamento que recebemos e tudo isso me fez pensar que uma forma de Deus prover para nós é por meio da Previdência Social, é bom chegar à terceira idade e poder desfrutar da aposentadoria. No nosso caso, eu estou aposentada. Graças a Deus, pagamos o INSS mesmo quando eu deixei de trabalhar para cuidar dos filhos. Também a nossa agência se compromete a pagar uma parte do INSS para o homem. Aqui na Espanha, como meu esposo é cidadão espanhol, temos também que pagar os impostos e a previdência local.

Tomemos como exemplo a nós mulheres que tanto sacrificamos tanto para criar os filhos, para prover para os filhos. Nos sacrificamos fazendo economia, comprando as roupas mais baratas, escolhendo os produtos que estão em oferta e muitas vezes não sobra dinheiro nem para um artesanato ou curso que gostaríamos de fazer, ou comprar um sapato mais confortável sem pensar tanto no preço. Enfim, é bom ter o nosso dinheirinho para fazer pequenas coisas que desejamos sem pensar tanto no dinheiro.

Pensando no tempo que estamos servindo ao Senhor, já que temos quase 40 anos de ministério entre o trabalho de seminarista por 4 anos e a ordenação de meu esposo Carlos del Pino. O chamado dura a vida toda e para começarmos esta caminhada é bom estarmos preparados com tudo que pudermos prever antes de pôr os pés na estrada. Pensando na obediência a esse chamado nasceu este artigo, onde damos pequenas pinceladas sobre a necessidade de se fazer um piedoso planejamento antes de sairmos ao campo missionário. 

Para refletir um pouco sobre o cuidado amoroso do Pai, vamos meditar no texto de Lucas 14:24:33. O verso 28 nos fala sobre a importância do planejamento antes de começarmos a construir uma torre, mas no versículo anterior Jesus nos fala sobre o dever de tomar a nossa cruz e segui-lo, em seguida no versículo 28 nos fala da importância do planejamento. Não parece antagônico falar de deixar tudo por ele, de amá-lo em primeiro lugar, e ao mesmo tempo tomar a nossa cruz, e antes de segui-lo tomar um tempo para  planejar? Parece que este versículo aqui não tem nada a ver; mas na verdade tem tudo a ver.

O planejamento faz parte da providência divina para prover nosso sustento! O que significa planejar: elaborar um plano, projetar, organizar, fazer  um roteiro, programar uma estratégia, etc. Para fazer um planejamento é necessário investir tempo; para planejar é necessário sentar-se. As pessoas envolvidas se sentam, pensam e anotam  todas as possibilidades, as vantagens e desvantagens, o sacrifício exigido, as condições,  calcular o custo para nós e para e nossos filhos, nossas perdas e nossos ganhos e prover os recursos necessários para este empreendimento.

Uma parte importante que temos que planejar se refere aos estudos de nossos filhos, aos retornos previstos ao Brasil para visitar as igrejas, nossos familiares, etc. Outra parte se refere à nossa velhice e a aposentadoria. Como queremos estar quando estivermos na idade de aposentar?

Pagamos o nosso INSS para que nós e nossos filhos possam ser atendidos quando estamos de volta ao país de origem? Pagamos a previdência para que tanto a esposa quanto o esposo possam se aposentar? Ou dependeremos dos filhos, da igreja, dos amigos. Temos que calcular o preço… Nestes 36 anos de ministério, eu e meu esposo, vimos muitos pastores e missionários que nunca pagaram a Previdência Social. Vimos muitos pastores em situação lamentável, tendo que depender dos filhos, de conhecidos e da boa vontade da igreja. Vimos também a situação de várias viúvas e seus filhos que ficaram sem nenhum amparo legal dependendo de parentes, da Igreja e de irmãos. Temos que pensar que com o passar dos anos a liderança muda e muitas igrejas acabam deixando de ajudar.

Jesus ao ser perguntado se devia ou não pagar os impostos, disse: “Dai pois a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mateus 22:16 a 21). Ou seja, cumprir as leis do nosso país e do país onde servimos não vai contra a palavra de Deus, não é pecado, nem deixar de “viver pela fé”. E aprovisionar para nossos filhos também não é pecado “porquanto, não são os filhos que devem poupar seus bens para os pais, mas sim os pais para os filhos” (2Co 12:14). Paulo, ao nos falar aqui que não queria ser pesado para os coríntios, que considera seus filhos, usa um princípio universal e bíblico da vida familiar. 

Em Mateus 7:24-26, um homem néscio ou louco e outro sábio ou prudente construíram suas casas. A grande diferença é que o néscio edifica a casa sobre areia, enquanto o sábio a edifica sobre a rocha. Quando vem a tormenta as inundações levam a sua casa embora. O problema do néscio é que ele não foi previsor, não preveniu. Será que queria ficar livre rapidamente porque tinha muita urgência para atender a obra missionária? O homem sábio vive e atua de acordo com o que conhece, com o que sabe, é capaz de tomar decisões provisoras e sábias, pois confia plenamente na providência divina. O homem néscio, não age assim por ser incapaz, senão porque pensando na urgência e que no final da vida Deus vai segurar as pontas, ele decide pelo mais fácil, rápido e barato. 

A nossa vida no serviço transcultural pode ser comparada à construção de uma torre:

Alicerce: Se refere à formação, planejamento e levantamento de sustento, também inclui o levantamento de dados sobre o país ou cultura que vamos servir. O planejamento educacional dos filhos ocupa um lugar importante nesta etapa: escolher método pedagógico, língua que ofereça mais oportunidades para os filhos, planejar manter a língua materna como oportunidade educacional futura, seguro médico, documentos, casa, alimentação. Levantar grupo de cuidado missionário e oração. Decidir quem ficará com a comunicação com os grupos e igrejas do Brasil. Aprendizado da língua do país onde servirão para toda a família, seguro médico com validade para o país no qual vão servir. Visitas prévias ao país para início do planejamento ministerial. Uma poupança para o estudo dos filhos. É importante que os filhos maiores possam participar das decisões e inclusive participar deste processo de preparo com pessoas preparadas para que este processo de despedida e perdas tenha menos impacto emocional em suas vidas (Nós temos o Arrumando as Malas, um programa para acompanhar as crianças no tempo de preparo antes da saída da família ao campo). Esta etapa do Alicerce pode levar de 2 a 3 anos.

1º Andar: saída do país de origem e chegada no campo: alugar casa, adquirir móveis, matrícula dos filhos na escola, compra de materiais escolares, definição das tarefas extra escolares, compra de vestuário apropriado para o clima local, contratação de plano de saúde, abertura de conta bancária, processo de documentação local, contato e convívio com as pessoas e culinária do lugar, aprendizado do idioma local, conhecimento da história, literatura, filosofia, arte, cultura, início de integração social, redefinição do planejamento ministerial e início do trabalho. A inscrição e contribuição da previdência do país deve ser ponderada no caso de facilitar atendimentos de saúde e oportunidades de crédito. Esta etapa pode levar de 3 a 5 anos.

2º Andar: se refere a um período de transição após algum tempo no campo. Começa com o retorno ao país de origem, aproveitados-se as férias escolares dos filhos, para visita familiar e as igrejas mantenedoras, redefinição e avaliação de projeto missionário, reavivar os apoios e descanso familiar. Inclui também o retorno ao país onde atua e um necessário processo de readaptação familiar e consolidação do trabalho. 

Briefing: o briefing na missão é sugerido quando o obreiro, de volta ao Brasil, necessita ser ouvido pelos conselhos missionários: um dos membro do conselho, de preferência alguém que se comunique com certa frequência com o missionário ou casal no campo, fará o papel de mediador entre o missionário e o conselho introduzindo o assunto, dando oportunidades para que cada um se expresse sobre as parte mais importantes a fim de que o missionário ou casal se sinta ouvido e cuidado.

Esta etapa pode levar de 3 a 4 meses, sendo que o pai deveria retornar ao país de origem umas semanas antes da família para os contatos com algumas igrejas e agência missionária.

3º Andar: poderíamos pensar na  adolescência e juventude dos filhos: quando eles deverão decidir, junto com os pais, em que país seguirão os estudos, se no país de origem ou em outro país. No caso de retorno ao Brasil para estudos, como está a língua de herança? Seria necessário acompanhá-los? Por quanto tempo? No caso de seguirem os estudos em outro país, conhece suficientemente bem o idioma local? Terão algum apoio especial? Em ambos os casos, haverá algum casal treinado para recebê-los? Há uma boa igreja nesse local para que se congreguem? No caso dos pais terem que acompanhar os filhos nesse período de estudos, já há outros missionários ou liderança local que possa assumir o trabalho? O que fazer com o campo, com outros filhos, como estão nossos recursos, etc.? Esta etapa pode ser de 6 a 12 meses.

4º Andar: se refere ao telhado. Os missionários que se dedicam toda a vida no campo chegam à terceira idade. Os filhos podem já estar casados com pessoas do seu novo país ou de outros países (o fato de morarmos em outro país promove a multiculturalidade e relacionamentos com pessoas de diferentes lugares do mundo), tendo inclusive filhos próprios, ou podem estar residindo em terceiros e quartos países por motivos profissionais. Além disso, os missionários nesta faixa etária enfrentam as enfermidades e limitações comuns à idade. Também será a época da aposentadoria… Se estabelecerá no seu novo país ou outro, ou retornarão ao Brasil? Isso dependerá dos apoios que tenha, especialmente os familiares.

Este artigo não exaure os temas que esboçamos aqui. Mas não podemos nos esquecer, a título de conclusão, que para planejar e tomar as decisões acertadas conforme nossa crença na providência de Deus. É muito importante levar em consideração estas etapas de “construção da torre ministerial” para que a nossa família tenha as provisões necessárias e na velhice possamos desfrutar dos cuidados de saúde e sustento para não sermos um peso nem aos filhos nem às igrejas. e desfrutar dos netinhos. Além disso, ao planejar com confiança em Deus, levamos uma vida menos estressante no campo, mais liberdade para servir a Deus e menos missionários que retornam prematuramente do campo.

Rosa Del Pino

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