O Desafio de Ser Mãe à Distância

 confissões de uma mulher multicultural

Mãe desnecessária

Com o passar do tempo, estou aprendendo a ser desnecessária.
Isso mesmo, desnecessária.

A primeira vez que ouvi que eu estava sendo, ou me tornando, uma mãe desnecessária, levei um choque. Um susto. Como assim, ser desnecessária?

Amo ser mãe, cuidar dos meus filhos, suprir suas necessidades, proteger, amar, simplesmente ser mãe. Então, ser desnecessária é um processo que precisa ser desenvolvido.

Gostaria de compartilhar com vocês algumas das minhas experiências que hoje me fazem entender que eu estava sendo preparada, ou passando por momentos, para me tornar uma mãe desnecessária.

Minha filha primogênita sempre foi muito independente — por sua própria natureza, eu creio, mas também pelo fato de pertencer à nossa família. Uma família multicultural. Ela nasceu nas Filipinas, quando nós estávamos em tempos de transição. Foi gerada em uma ilha e nasceu em outra.

o desafio de ser mãe

Quando se tornou adulta, aos 18 anos, decidiu que gostaria de dar uma pausa na vida acadêmica e experimentar algo novo. Ela foi para um curso, fora de casa. Seria a primeira vez que viajaria sozinha. Morávamos na Índia nessa época, e ela estava indo para os Estados Unidos fazer um curso da Jocum.

Financeiramente, era impossível para nós: o custo das passagens, o valor do curso… e tudo isso em menos de três meses para organizar. Mas Deus dirigiu nossos passos. De maneira muito especial, Ele providenciou tudo o que ela precisava: as passagens, uma bolsa de estudos, pessoas para recebê-la e auxiliá-la na chegada e nas transições.

Desde então, ela entendeu que estava saindo debaixo do nosso guarda-chuva e começando a experimentar as promessas de Deus. Ela passou a ver o que Deus podia fazer por ela. Para ela, era uma aventura, um novo começo, sua independência. Para mim, era um corte. Era o momento de cortar o cordão umbilical.

Senti-me desnecessária quando ela saiu sozinha, quando tomou essa decisão com o nosso apoio, quando enviei minha filha cruzando oceanos sem estar por perto, sem estar lá para exercer meu papel de mãe.

E quando ela retornou, depois de seis meses, ficou conosco por um tempo. Eu quis “laçar” minha filha de novo. Como uma mãe bem protetora, quis cuidar dela, fazer sua comida preferida e, antes de dormir, perguntar se estava bem, se escovou os dentes, se penteou o cabelo…

E ela me respondeu:
— Mãe, eu já morei sozinha. Já vivi seis meses sozinha.

Aquela frase… “Eu já vivi”, ou seja, “não precisei de você por seis meses”. Fiquei ali, em silêncio, e me dei conta de que já não era tão necessária na vida da minha filha.

Não no sentido de deixar de ser mãe, mas no sentido de que ela já não precisava mais das minhas recomendações: sobre o cabelo, os dentes, a roupa certa, andar descalça ou calçar sapatos.

Foi o meu primeiro choque. Eu não deixei de ser mãe, mas ela já não precisava de mim como antes.

Quando as coisas não saem como o planejado

Quando as coisas não saem como o planejado

E o tempo passou, e chegou a vez do meu filho. Aos seus 17 anos e meio, decidiu que queria retornar ao Brasil — e nós ainda morávamos na Índia. Ele não sabia exatamente o que faria, só sabia que não queria mais permanecer na Índia. Ele havia chegado ali com menos de 3 anos, fez toda a sua vida acadêmica na mesma escola, com os mesmos amigos desde o maternal até a classe 12.

mãe a distancia

Começamos os preparativos para seu retorno ao Brasil, sem a nossa companhia. E quando o momento da sua saída se aproximava, uma crise renal me levou ao hospital. Eu estava ali, hospitalizada, e o dia da viagem se aproximando.

Meus planos foram frustrados. Mas tentei permanecer firme, querendo ser forte, querendo deixar meu filho voar, ser livre. Eu havia planejado várias coisas: uma despedida legal, momentos significativos para fechar aquele ciclo na vida dele.

Mas ali estava eu, internada. Me senti frustrada. Nem me preocupava tanto com a doença, e sim com a despedida. Como me despedir? Como encerrar aquele ciclo?

Deus foi tão gracioso e bondoso comigo. Ele levantou pessoas para estarem ao lado do meu filho, para fechar esse ciclo com ele. Fizeram despedidas, surpresas… e eu no hospital.

Mais uma vez, me vi naquela posição: ser desnecessária. O ciclo se fechou para ele — não necessariamente comigo presente. Não pude ir ao aeroporto me despedir, pois me preparava para uma cirurgia.

Mesmo assim, as coisas aconteceram. As despedidas foram feitas. E ele partiu. Deixou nosso lar para seguir sua vida. E mais uma vez, me senti desnecessária.

E nesse processo de aprender a ser desnecessária, me lembrei de Ana, mãe de Samuel.

A Bíblia diz:

“Samuel ministrava perante o Senhor, sendo ainda menino, vestido de uma estola sacerdotal de linho. Sua mãe lhe fazia uma túnica pequena, e de ano em ano lha trazia, quando com seu marido subia a oferecer o sacrifício anual.” (1 Samuel 2:18-19)

Ana havia entregado Samuel ao Senhor. Ela cortou o cordão umbilical, se fez desnecessária… mas, ao mesmo tempo, continuou fazendo parte da vida dele. Ela o vestia. Imagino que também intercedia. Cuidava à distância. A cada ano, costurava uma túnica com suas próprias mãos — um gesto de amor, de presença silenciosa, de investimento contínuo mesmo à distância.

E que resultado vemos?

“Crescia Samuel, e o Senhor era com ele, e nenhuma de todas as suas palavras deixou cair em terra.” (1 Samuel 3:19)

Ana foi desnecessária no controle, mas essencial na base.

Tenho aprendido que ser uma mãe desnecessária é também deixar o filho saber que você ainda é o porto seguro. Um lugar para onde ele pode retornar sempre que precisar.

Já não podia — e muitas vezes nem devia — estar tão próxima quando enfrentaram desafios da vida, tomaram decisões e se tornaram independentes.

O tempo passou. Já se vão dez anos desde que, pela primeira vez, cortei o cordão umbilical dos meus filhos. Hoje estou aqui, sem eles. Cada um em um canto do mundo, em diferentes continentes, vivendo seus próprios caminhos.

E aqui estou eu, vivendo com meu esposo, distante, e querendo muito ainda ser necessária na vida dos meus filhos.

Continuo sendo mãe. Então, como fazer parte da vida deles?

Esse “fazer parte” tem sido nas minhas orações constantes por eles. Nos meus pedidos diante de Deus.
Tem sido nas mensagens que envio, perguntando como estão.
Ver algo engraçado e compartilhar.
Lembrar de momentos especiais e enviar.

E assim, me faço presente na vida deles.

Cortar esse cordão umbilical não foi fácil. Realmente não foi. Mas foi necessário.

Ser uma mãe desnecessária não significa ser uma mãe ausente. Significa confiar que aquilo que plantamos na vida dos nossos filhos é suficiente para sustentá-los no caminho. É fazer como Ana: entregar, liberar, mas continuar amando, cuidando, intercedendo.

É entender que o Senhor está com eles — como esteve com Samuel — e nenhuma de suas palavras deixará de cumprir o propósito.

Que possamos ser mães que aprendem a soltar, mas nunca deixam de amar. Mães que sabem sair de cena, mas continuam presentes onde realmente importa: no espírito, no coração, na fé.

Leia também “O valor de uma mãe”. No nosso blog CMM

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Adriana Barros

É casada com Edmar há 28 anos. Gosta de ler e admirar a criação. É obreira transcultural desde 1989. Serviu 3 anos no Peru, 7 anos na Filipinas onde nasceram seus dois filhos e 16 anos na Índia.

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