Ministério da Presença

ministerio da presença
Pequenos gestos que fazem grande diferença na vida de quem serve no campo

Com frequência, recebo mensagens, e-mails, ligações ou converso com irmãos e irmãs que dizem querer cuidar de trabalhadores globais, mas se sentem inadequados: “Não sou pastor, nem líder, nem psicólogo”, comentam. Acabamos criando barreiras para algo que, na essência, é mais simples do que parece. O que muitos talvez não percebam é que a presença intencional já é, por si só, um cuidado profundo.

Deixe-me dar dois exemplos pessoais.

Há quase 20 anos, vivi na cidade de Kedougou, no sul do Senegal. Digo isso não por nostalgia, mas para contextualizar o isolamento daquele lugar — especialmente numa época sem smartphones, WhatsApp ou presença online constante. Esse “desconectar” era natural, mas também trazia um sentimento real de solidão. Curiosamente, talvez esse tipo de isolamento seja algo que deveríamos buscar de forma intencional hoje… mas isso é conversa para outro momento.

Ministerio da Presença - CMM

Se Kedougou já era remoto, o povoado de Sinthiouroudji, onde passávamos a maior parte do tempo, era ainda mais isolado. Sem eletricidade ou água encanada, era quase um retrato clássico da experiência multicultural “nos confins da terra”. Felizmente, não estávamos sozinhos. Éramos uma pequena equipe de quatro pessoas (três no último ano), vivendo de forma intensamente comunitária. Eu falava bem francês e passava os dias pedalando entre vilarejos, conversando, comendo, dormindo nas casas, jogando bola com as crianças, construindo vínculos reais.

Ainda assim, sentíamos falta de algo – ou de alguém – de fora. A cada quatro ou cinco meses, nossos coordenadores vinham de Dacar. Era uma viagem longa, cerca de 14 horas. E o que eles faziam? Coisas simples: traziam mantimentos, conversavam, nos ouviam, mas, principalmente, estavam presentes. Queríamos mostrar nossa vida, o que estávamos construindo, compartilhar o pão quente da padaria local ao amanhecer e as refeições na recém-inaugurada bodega. Queríamos, acima de tudo, compartilhar a vida.

Agora viaje comigo até o norte da Jordânia. Eu estava em uma visita de apoio a uma igreja local com um programa voltado para refugiados. Ajudávamos centenas de pessoas, diariamente, com apoio logístico (comida, abrigo), legal (documentação), emocional e espiritual. Estávamos alojados ao lado da maior mesquita da cidade e já era parte da rotina ouvir, bem cedo, os longos chamados à oração pelos alto-falantes.

Uma noite, senti forte opressão espiritual. Estávamos cansados do ritmo intenso e das histórias difíceis. Acordei paralisado, chorando, orando, sentindo uma solidão profunda e um medo que não sabia explicar e isso só piorou quando, às 5 horas da manhã, a mesquita iniciou novamente a chamada. Era como se o quarto tivesse sido tomado por trevas.

Foi quando lembrei do meu telefone. Mandei mensagem para um grande amigo da igreja: “Ora por mim. Batalha agora!”. Na mesma hora, ele – que estava acordado no Brasil – repassou o pedido para os pequenos grupos da igreja. Centenas começaram a orar. Ele me respondeu apenas: “Agora. E você não está só”. Lembro que, de repente, já não ouvia mais a mesquita. Reuni forças para me ajoelhar e interceder com meus irmãos no Brasil. Batalhamos juntos e a escuridão se dissipou. Eu não estava sozinho e aquele lembrete foi essencial.

O que foi tão especial nessas experiências? Eu tinha gente que se importava comigo, com meu ministério, com minha vida. Gente que perguntava como eu estava, que conseguia entender o que eu vivia – até mesmo o que era sentir saudade de uma tapioca ou de um cuscuz!

Eu me sentia cuidado porque havia alguém que:

  • Ouvia com atenção
  • Criava um espaço seguro, sem julgamentos
  • Se importava de verdade
  • Caminhava junto
  • Normalizava as dores (“Você não está doido, só com saudades de casa!”)
  • Me relembrava: “você não está só”

Gosto de chamar isso de Ministério da Presença. É o gesto de estar com alguém sem pressa, sem agenda oculta, sem “missão” definida – apenas com o desejo genuíno de ouvir, perguntar, orar, rir, chorar e celebrar junto. Estar junto, seja in loco, online, por carta, pelo celular. Esse é um dos pilares mais importantes não só do cuidado missionário, mas da permanência saudável no campo.

Presença

Hoje, vemos cada vez mais irmãos desejando viver esse tipo de ministério. Conhecemos pelo menos dez casas fora do Brasil (e várias outras por aqui) que acolhem trabalhadores globais para descanso e cuidado. Outros fazem o caminho inverso: vão até os obreiros multiculturais, conhecem sua realidade, caminham com eles onde estão.

Atualmente, moramos no sul da Espanha. No final do ano passado, recebemos a visita do nosso pastor e sua esposa. Foi simples, mas profundamente significativo. Sentimo-nos cuidados, vistos, pertencentes ao nosso rebanho – mesmo longe. E eu também, por reconhecer o valor disso, acompanho trabalhadores globais em mais de dez países. Estou presente na vida deles com encontros intencionais online, fotos, orações, conversas com os filhos e, quando possível, algumas visitas ao campo.

Não espere ser “especialista” para cuidar de alguém. Escreva, ligue, mande uma mensagem, apareça. Seja intencional. Quem sabe, ainda esta semana, você possa entrar em contato com um obreiro multicultural – alguém fora do Brasil ou servindo no bairro ao lado. Esse cuidado faz toda a diferença.

Para refletir:

  • Quem são os obreiros que estão no campo transcultural que você conhece? Você sabe como eles estão de verdade?
  • Você já se perguntou como poderia ser uma presença significativa na vida de alguém que serve no campo?
  • O que lhe impede de cuidar de um obreiro multicultural hoje? Tempo, medo, insegurança?
  • Você já viveu o Ministério da Presença em alguma forma? Como foi?

Pontos de ação:

1.    Escreva uma mensagem ou e-mail simples para um obreiro multicultural – pergunte como ele está, sem pressa.

2.   Ore intencionalmente por alguém específico no campo e, se possível, avise essa pessoa.

3.   Marque uma ligação ou videochamada – mesmo curta, pode ser encorajadora.

4.   Converse com sua igreja sobre formas práticas de apoiar um trabalhador global: visitas, hospedagens, cartas, doações, retiros.

5. Reflita em oração sobre o seu papel no cuidado do obreiro multicultural e sua família – talvez você seja a resposta de oração para alguém.

Diogo Militão

Este texto também foi publicado no Blog Antes do Ide

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Diogo Militão

Diogo Militão é um Terapeuta Clínico, com ampla experiência em trabalho multicultural desde 2004 e em cuidado de membros desde 2017. Ele já atuou na África Ocidental, Ásia Central e Sudeste Asiático, e atualmente reside na Espanha com sua esposa, Débora. Diogo fez parte da equipe clínica do The Well International, na Tailândia, e é apaixonado por capacitar trabalhadores globais latino-americanos e igrejas emergentes enviadoras com os recursos e a linguagem necessários para um cuidado de membros eficaz. Junto com alguns colegas, Diogo está ajudando a estabelecer o CIMA em Málaga, Espanha — um centro de cuidado de membros dedicado a apoiar obreiros latino-americanos. Ele é graduado em Terapia Clínica, possui uma pós-graduação em Aconselhamento Pastoral e um mestrado em Member Care.

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