Experimentando a graça de estar solteira no campo transcultural

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Miriam nas montanhas de um país da Ásia Central onde serviu durante cinco anos

Minha mãe sempre dizia que eu nasci com as malas prontas. Como se eu sempre tivesse muito definido na minha vida o que eu queria ser, mesmo sendo uma criança. Desde cedo pensava ser um dia uma mulher transcultural. Me tornar uma delas, trouxe-me muitos desafios.

Não se forma uma mulher transcultural em um seminário, nem existe um manual explicando o que você deve ou não fazer se deseja seguir esse caminho. É necessário tomar a decisão de aceitar o desafio que mudará por completo seu estado geográfico, hábitos alimentares, vestimentas e sua perspectiva da vida. Tais mudanças desafiarão o seu coração e suas emoções a aprender a depender totalmente daquele que a chamou.

Com apenas 21 decidi acreditar no chamado de Deus, ainda quando muitos não acreditaram, “uma jovem solteira indo para o campo transcultural?” questionava alguns. Decidida a partir, sem nada nas malas nem no bolso mas o coração cheio de fé. Deus tinha me dito que estaria comigo sempre e foi fiel à sua promessa, mostrando isso em cada detalhe da minha vida.  Quero destacar, entre muitas, quatro áreas da minha vida em que percebi que Deus estava comigo nos momentos mais difíceis da minha caminhada como mulher multicultural solteira, tanto servindo na América Latina como na Ásia:

Dependência financeira

O desafio financeiro foi um dos primeiros onde pude perceber o cuidado de Deus nos pequenos e grandes detalhes da minha vida. Ele sempre agiu de maneira surpreendente e criativa, pois supria de forma diferente diante de cada necessidade. Algumas vezes através de pessoas desconhecidas, outras vezes até aparecia do nada como algo sobrenatural, sem falar das vezes que era multiplicado.   

Minha identidade

Os meus primeiros dez anos no campo servindo na América Latina, foram apenas o ensaio para chegar onde meus olhos físicos não alcançavam enxergar, onde Deus já tinha me  dito que me levaria.

 Aos 30 anos fui morar no país que mudou a minha vida. Compreendi e aprendi tantas coisas que foram lições que jamais poderei esquecer. Fui morar na Ásia Central, no país considerado o mais perigoso para as mulheres, especialmente para solteiras. Cheguei com um pano cobrindo a minha cabeça e com muito temor, mas com o coração cheio de paz. Estava no lugar onde Deus queria que estivesse, no centro da sua vontade. 

Cada dia representava um desafio novo nesta nova cultura em que começava a conhecer. Caminhar olhando para o chão, cobrir o rosto, não sorrir em público, aprender a se comportar numa sociedade tão diferente, era o desafio diário. Nesse lugar aprendi sobre a humildade e respeito com a cultura e apreciar os valores que tínhamos em comum. Entendi estando lá é  que, nós latinos, temos muitas semelhanças  culturais com os nacionais. Deus nos fez tão perfeitos para cumprir com o seu chamado que até nos fez fisicamente parecidos. Ninguém que me olhasse na rua poderia dizer que eu não era de lá, ser parecida fisicamente com as mulheres me abriu muitas portas, pois me consideravam como uma delas. Mas isso também tinha suas desvantagens às vezes, porque pelo fato de ter algumas semelhanças, exigiam que eu me comportasse como uma delas, o que não era muito fácil. 

A solidão

Deus me deu algumas amigas na Ásia. Algumas latinas e outras nacionais com quem pude compartilhar muitas das minhas lágrimas e frustrações. Mas longe de todos, quando me encontrava a sós, a solidão invadia a minha habitação, longe dos meus seres queridos muitas vezes tive que enfrentar o temor e a ansiedade. Temor de ficar só e de morrer numa terra distante. Muitos desses temores eram válidos, afinal, eu morava no país mais inseguro do mundo. No entanto, toda vez que me assolava esse sentimento, sentia um perfume que invadia o meu quarto o qual não sabia explicar de onde vinha, trancendia o natural e podia sentir que aí estava Ele sentado na minha cama cuidando de mim, Ele que prometera estar comigo até o fim dos dias se fazia tão presente, dissipando todo temor e enchendo meu coração de paz. Foi em um desses momentos que pedi a Deus que me permitisse conhecer a quem seria meu esposo, quando eu voltasse à casa dos meus pais e tivesse emocionalmente estável. Não queria decidir preciptadamente, pois entendi que para uma jovem solteira no campo, o sentimento de solidão poderia se tornar perigoso na tomada desta decisão tão importante. 

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Miriam em uma viagem no interior do país da Ásia Central onde servia

A dor da perda 

A minha vida como mulher transcultural foi marcada por muitas experiências, algumas agradáveis e outras que deixaram marcas profundas  no coração, como as perdas de pessoas queridas. No ano de 2011, foi convidada a fazer  um treinamento no país vizinho aí mesmo na Ásia, onde conhecemos uma equipe que estava prestes a sair à uma campanha médica no interior do país. Todos eram jovens médicos de diferentes países, apenas o líder tinha mais tempo servindo lá. Todos estavam emocionados e empolgados para servir. No entanto, eles não sabiam que seria uma viagem sem retorno. Nosso coração se quebrou ao escutar a terrível notícia que os 12 amigos que foram servir na campanha médica haviam sido assassinados. Toda a comunidade ficou abalada e extremamente entristecida, porém,  experimentando o que diz em 2 Cor. 6. Concluímos o nosso tempo naquele lugar, em um culto cheio do sobrenatural de Deus, algo que nunca havia experimentado em toda minha vida. A glória de Deus se manifestou de maneira tão presente consolando os corações e trazendo uma paz  extraordinária para continuarmos o nosso trabalho, sabendo que eles correram fielmente essa carreira e agora estavam  nos braços do Pai. 

Não nascemos mulheres multiculturais, nos tornamos uma delas no caminho. Somos resultado da inversão de nossas vidas ao chamado de nosso Deus. Com convicção podemos dizer: “Que Deus não nos levará tão longe onde a sua graça não nos possa alcançar.”

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Miriam Misselis

Cresceu na Argentina. Com 21 anos partiu para o Brasil onde iniciou sua carreira de obreira transcultural. Também serviu na Ásia Central como solteira. Depois de casada trabalhou no Panamá e hoje juntamente com sua família servem em uma país da África Ocidental. Miram está servindo no campo transcultural há 26 anos.

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