
O cuidado integral dos filhos multiculturais começa com o suporte à família
É necessário uma comunidade para cuidar de um FM. E por comunidade quero dizer pais e agências enviadoras.
O cuidado implica prover as necessidades básicas do indivíduo, sejam elas físicas, emocionais ou espirituais, a fim de que este se desenvolva e amadureça atingindo o seu potencial máximo de forma autônoma e independente.
Se um FM não está bem, isso afeta todo o sistema (Dr. Luis Dodds, 2025), por isso, o cuidado de filhos multiculturais é um ministério que envolve não apenas os FMs, mas os pais e as agências enviadoras.
Os FMs pertencem ao grupo dos filhos de terceira cultura (FTCs), pessoas que vivem uma parte significativa dos seus primeiros 18 anos de vida acompanhando os pais para um país diferente do país de passaporte de pelo menos um dos seus pais, devido à escolha profissional ou acadêmica deles (Pollock, Van Reken, 2017). Não raro, vivem em alta mobilidade mudando para diferentes países por questões de visto, saúde, situações políticas e/ou socioeconômicas, treinamento e/ou mudança de ministério/trabalho dos pais.
O fato de viverem transitando entre culturas, (quando não entre muitos países, pelo menos entre a cultura de passaporte e a cultura para onde se mudou ou nasceu), afeta profundamente sua percepção de si mesmo, dos outros, dos mundos pelos quais transitam e os seus relacionamentos.

Uma necessidade básica humana muito desafiada por esse estilo de vida é o sentimento de pertencimento que nos FMs é fragmentada por causa das transições e rupturas constantes nos relacionamentos. Por isso o FM costuma se conectar mais facilmente com pessoas que entendem o seu estilo de vida e compartilham experiências tranculturais semelhantes.
Em seu livro Filhos de Terceira Cultura – uma dádiva a ser cuidada, Ulrika Ernvik destaca três áreas nas quais adultos (sejam eles pais, irmãos, amigos ou representantes de agências) podem apoiar FTCs:
- Ajudando-os a conhecerem sua identidade;
- Ajudando-os a integrar à sua vida única, as diferentes culturas e experiências, com seus ganhos e perdas.
- Ajudando-os a construir um sentimento de pertencimento consigo mesmo, com a sua família e todas as culturas que fazem parte da sua vida através de relacionamentos e planos para o futuro.
Essa não é uma tarefa simples e por isso o cuidado do FTC implica, portanto, em ajudá-lo a entender a sua identidade, reconhecer e abraçar as diferentes culturas que fazem parte de quem ele é e ajudá-lo a desenvolver o senso de pertencimento sólido com as pessoas e lugares que fazem parte da sua história.
Cuidar de Quem Cuida: o Suporte aos Pais e à Família Multicultural
Na minha experiência como mãe de dois FTCs e no cuidado de FMs junto ao ministério Philhos (AMTB) cheguei à conclusão que para ajudar os FMs nessa jornada é preciso apoiar também os pais, pois são eles os responsáveis por prover as necessidades básicas para o desenvolvimento do FM e são as pessoas mais próximas que estarão presentes em quase todas as experiências pelas quais os FMs passarão. Não apenas isso, são eles que tomarão as decisões mais importantes até à idade adulta do FM e que vão afetar o resto de suas vidas. Os pais decidirão para onde ir, quando ir, quanto tempo ficar, a escola onde irão estudar, onde morar e os grupos com as quais desenvolverão relacionamentos e por quanto tempo. Os pais estarão presentes em todos os momentos da vida do FTC, nas transições, perdas, lutos, tambem nas alegrias e conquistas. Eles que serão o suporte que o FTC precisa para processar cada fase, aprender com elas e manter vínculos que os acompanharão por toda a vida. Para isso é necessário que os pais separem tempo, energia e recursos para suprí-los nessas necessidades.

A questão é que enquanto suprem seus filhos, os pais também estão passando por transições, perdas, lutos, trabalhando, tomando decisões importantes e ainda assim precisarão transmitir segurança e calma para os filhos. Cada mudança requer dos pais e dos filhos energia e tempo para se adaptar, criatividade e paciência para recomeçar a vida em um novo lugar, foco, intencionalidade e flexibilidade para se ajustar às mudanças.
Aqui entra o importante papel das agências enviadoras de compreenderem esses processos e oferecerem todo o suporte necessário para que os pais apoiem seus filhos, possam ouvi-los, encorajá-los, oferecer-lhes segurança e conforto ao passarem por transições e despedidas e ajudá-los a processarem as perdas e lutos sem traumas.
Ao compreender as necessidades dos FMs e apoiar os pais com orientação e ferramentas necessárias, as agências enviadoras podem ajudar os pais a cuidarem do bem mais precioso que Deus lhes confiou, seus filhos, além de exercerem seu trabalho de forma mais eficaz e duradoura.
Daniele Ferreira
Referências :
Filhos de terceira cultura – uma dádiva a ser cuidada. Ulrika Ernvik, 2025.
TCK – growing up among worlds. Pollock, Van Reken, 2017.


