
Atravessando a Ponte entre Mundos
Anteriormente, escrevi um artigo falando sobre o pertencimento e a sua importancia no nosso preparo para a vivência multicultural. Decidi fazer uma parte dois, desta vez investigando de maneira mais prática como cultivar esse pertencimento.
Nosso primeiro campo transcultural como casal foi no Quirguistão, na Ásia Central. Nunca ouviu falar? Nem nós, até que nossa agência enviadora nos disse que seria nosso destino. Imagine a cena: um casal de cearenses, acostumados ao calor de Fortaleza, desembarcando em Bishkek em janeiro. Tínhamos apenas duas malas grandes e duas mochilas. Fazia -19 graus (sim, negativos) e todos falavam russo. Minha primeira impressão foi: “Estamos beeem longe de casa.”

Cinco anos depois, estávamos de volta ao mesmo aeroporto, agora para partir. O frio e a língua já não nos assustavam. Tínhamos lugares favoritos, amigos, frutos ministeriais e uma coleção de momentos altos e baixos. Mas ainda levávamos apenas duas malas e duas mochilas. E o nosso coração estava certamente cheio de memórias, mas com falta de espaço nnas malas para carregar um pouco mais daquele lugar.
Entendo que o pertencimento é um dos maiores desafios na vida multicultural. E como, em uma realidade tão diferente do que conhecemos, podemos ser capazes de nos sentir parte? Num contexto, cultura ou grupo tão diferentes de nós?
Por que o pertencer é importante?
Pertencimento não é apenas uma necessidade emocional de todo ser hunano; é também essencial para a boa saúde mental e espiritual. O sentimento de pertencer traz consigo a sensação de segurança e estabilidade, ajudando-nos a enfrentar desafios, prevenindo o isolamento. Quando pertencemos, temos clareza sobre nosso papel, responsabilidades e quem está ao nosso lado. Quando isso falta, o risco de desconexão — com as pessoas e com a vocação — é grande.

Costumo imaginar o pertencimento como uma ponte* com bases sólidas em cada extremidade. De um lado, está o lugar onde pertencemos, o “nosso lugar”. Mas, às vezes, precisamos atravessar para o outro lado, e construir um novo pertencimento. No meio da ponte, estamos vulneráveis e distantes – tanto do que deixamos quanto do que ainda não alcançamos.
Pensando na nossa chegada ao Quirguistão, estar naquele aeroporto foi como estar no meio da ponte: tudo era novo e estranho — o frio, o idioma, as pessoas. Deixamos o Brasil, onde pertencíamos, para enfrentar um contexto desconhecido. Com o tempo, atravessamos a ponte e criamos um novo lar. Anos depois, ao voltar ao Brasil, percebi que teria que mais uma vez atravessavar uma outra ponte; pois o lugar que deixamos havia mudado, e precisávamos nos ajustar novamente.
E por que lutar pelo pertencimento? Porque, sem ele, podemos ficar presos no meio da ponte, paralisados e inseguros. Mas, aqui está a boa notícia: encontrar pertencimento não precisa ser algo assustador. Embora necessário que sejamos intencionais. Pertencer aonde estamos nos permite respirar, descansar e abrir espaço na mente e no coração para sermos usados pelo Senhor no contexto para o qual Ele nos enviou.
Como cultivar o pertencimento em um novo contexto?
- Conecte-se à cultura local
Mergulhar na cultura é essencial. Aprender o idioma, experimentar a comida, participar de celebrações e entender os valores locais abrem portas para relações mais profundas. No Senegal, fui padrinho de casamento em uma aldeia. Descobri que, lá, o padrinho carrega (literalmente nas costas!) a noiva até o altar. Foi diferente, mas tornou-se uma experiência de conexão. Pertencer, muitas vezes, exige vulnerabilidade e disposição para aprender.
- Cultive laços com a equipe
Relacionamentos na equipe são uma base de apoio essencial. Na Tailândia, reservávamos tempo para nos conectar com outros trabalhadores globais e, ao mesmo tempo, nos envolver profundamente com o ministério local. Essa combinação de apoio interno e conexão externa nos deu força para continuar.
- Seja intencional nas suas práticas devocionais
Ter clareza sobre seu chamado traz significado e fortalece o senso de pertencimento. No entanto, os resultados nem sempre vêm rapidamente. Durante momentos de desânimo, manter práticas espirituais consistentes e conexões com a fé foi essencial. Manter ritmos devocionais, ouvir sermões ou participar de uma comunidade de fé (mesmo online) ajuda a sustentar seu propósito, especialmente em momentos de desânimo.
- Construa redes de suporte
Relacionamentos dentro e fora do campo são cruciais. Conexões regulares com amigos, família e grupos de oração, assim como apoio de mentores ou terapeutas, são fundamentais.
- Crie rotinas que tragam familiaridade

Pequenas rotinas ajudam a criar estabilidade em meio às mudanças. No Quirguistão, minha esposa e eu tomávamos café juntos todas as manhãs — uma prática simples, mas essencial para nossa conexão. Outras atividades, como esportes locais, também ajudaram a criar um senso de lar. Esses pequenos rituais são âncoras que ajudam a construir pertencimento e uma sensação de “lar”, mesmo em novos contextos.
Hoje, escrevo este artigo da nossa casa na Espanha, após 10 anos vivendo na Ásia. Com cada nova ponte que atravessamos, aprendemos mais. Desta vez, trouxemos mais do que memórias, e nossa casa ficou com “a nossa cara” muito mais rápido (aprendemos que vale a pena trazer uma mala a mais com umas coisinhas que fazem a nossa casa ser casa!)
Pertencer em um novo contexto é um longo processo, e não um evento. Não se trata apenas de chegar e se sentir em casa, mas de construir, com paciência e graça, um lugar onde possamos criar raízes e florescer.
- Quais passos você pode dar hoje para cultivar pertencimento onde está ou onde deseja estar?
- Que pessoas podem ser sua rede de apoio?
- Que práticas podem trazer estabilidade à sua jornada?

Entenda melhor a ideia da Ponte* no livro Transição Cultural.
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