
Em uma manhã de quinta-feira, eu estava sentado na imigração na Tailândia, aguardando para renovar meu visto anual. Esse ritual já fazia parte da nossa rotina e exigia separar pelo menos uma manhã inteira para cumprir todas as formalidades: horas gastas com documentação e visitas de “check-in” obrigatórias a cada três meses. Como de costume, procurei um lugar para sentar e me preparar para a longa espera. Ao meu lado, notei um casal: ele, inglês; ela, tailandesa; ambos aparentando por volta de 75 anos. Decidi puxar conversa.
Eles me contaram que estão casados há quase 40 anos, mas, como a Tailândia não concede cidadania para estrangeiros, o marido ainda precisa renovar seu visto, mesmo depois de tantas décadas vivendo no país. Pensei na hora: “É como se o governo quisesse lembrá-los, ano após ano, através dessa espera e desses documentos, que ele não pertence realmente a este lugar, que este nunca será seu lar oficial”.

Algo que raramente consideramos ao nos prepararmos para o campo transcultural é essa questão do pertencimento. Falamos sobre o quanto será diferente, sobre a adaptação necessária, sobre a cultura, o idioma, a comida, as roupas, mas dificilmente abordamos a sensação de estranhamento que surge quando percebemos quão distante estamos do nosso ponto de partida.
Você já parou para pensar no que significa pertencer a um lugar ou a um grupo? Seja na sua cidade, na igreja, na faculdade, no trabalho, ou mesmo no papel que você desempenha na vida profissional, pertencer traz uma sensação de segurança. Ficamos à vontade porque conhecemos as regras, sabemos onde estamos e quem somos ali. Temos segurança: sabemos a quem recorrer, onde comprar o pão, onde consertar o carro, qual o caminho mais rápido para casa. Em resumo, nós pertencemos àquele lugar; estamos estáveis e funcionamos naturalmente.
Mas, quando deixamos esse contexto de pertencimento, muitas vezes não consideramos o impacto disso em nossa vulnerabilidade. Sentimo-nos desconfortáveis sem entender exatamente o porquê. Ficamos mais cansados, sem rotina, sem estrutura. E essa sensação vai muito além de questões culturais, culinárias ou de vestimenta. Ao sair para o campo transcultural, você se encontrará em uma transição – deixando para trás aquele sentimento de pertencimento e atravessando uma ponte de instabilidade e incerteza, até, com a graça de Deus e bastante intencionalidade, alcançar um novo sentido de pertencimento. Será um novo contexto, com novas pessoas, novas regras, novos documentos e uma nova rotina.
Por isso, quero te encorajar a refletir sobre …
O que te traz pertencimento hoje

- O que dá estabilidade e segurança? O que te faz sentir leve?
- Quais são os teus sistemas de apoio? Podem ser hobbies, esportes, pessoas, lugares, como aquele cantinho da sala onde gosta de ler no sábado à tarde (ou jogar videogame).
- Como ser intencional em levar parte disso para o novo contexto?
Ao perguntar ao casal ao meu lado como era para eles, depois de tantos anos, ainda precisar ir à imigração para renovar o visto, o senhor me respondeu com simplicidade: “Isso não me incomoda. Faz parte, e aproveitamos para tomar um café com bolo que gostamos aqui ao lado… no fim das contas, o que importa é a nossa casa e nós dois nela.” Gosto disso, da forma como eles encontraram na casa, um no outro, ou até mesmo no cafezinho, esse senso de pertencimento.
“Afinal, a jornada multicultural – ou qualquer grande transição na vida – não é apenas sobre alcançar um destino, mas viver enquanto encontra descanso e identidade ao longo do caminho.“
Na nossa jornada multicultural, desde o preparo e até mesmo depois de décadas no campo, enfrentaremos muitas transições, muitos momentos onde o nosso senso de estabilidade e de pertencimento é desafiado. Por isso acredito que vale a pena refletir sobre alguns aspectos:
- O que me traz estabilidade? O que me leva a um lugar de pertencimento? Ao “outro lado da ponte”, mais estável, mais firme?
- Como posso ser intencional em buscar e proteger essas coisas que me ajudam a encontrar equilíbrio e a permanecer fiel à minha identidade?
- O que posso fazer, de forma prática, para cultivar um pertencimento saudável e duradouro?
Talvez o senso de pertencimento tenha menos a ver com um lugar físico e mais com o que você constrói ao lado de quem ama, através de seus hábitos, sua rotina, sua fé e até sua própria presença. Que tal começar hoje a identificar as âncoras que podem trazer estabilidade e pertencimento, mesmo em meio às tempestades? Afinal, a jornada multicultural – ou qualquer grande transição na vida – não é apenas sobre alcançar um destino, mas viver enquanto encontra descanso e identidade ao longo do caminho.
Você pode ler mais textos relacionados à vida multicultural no Blog do Movimento Perspectiva
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