Entre Mitos e Verdades: A Graça de Criar Filhos Plurilíngues

Filhos de Terceira Cultura

Por que múltiplas línguas não confundem — ampliam o mundo

Quando voltamos ao Brasil depois de anos vivendo entre culturas, minhas filhas chegaram com três línguas na bagagem — e três jeitos de dizer “mamãe” e “eu te amo”.

 Eu via beleza nisso, mas também vivi um dilema:  O que eu faria com tudo isso agora?

Afinal, todo mundo tinha uma opinião.

 “Isso vai confundir a cabeça delas.”

 “Criança que fala muitas línguas demora a aprender.”

 “Deixa isso pra depois, primeiro aprende português direito.”

E lá estava eu, interculturalista e mãe, tentando equilibrar a ciência e o instinto, o amor e o medo.

O mito da confusão

A crise me levou à voltar a estudar. Imersa numa pós graduação em educação bilingue e plurilingue, aprendi que durante muito tempo se acreditou que o bilinguismo atrapalhava o desenvolvimento infantil.  Mas a pesquisadora Ofelia García provou o contrário com a teoria do translanguaging: o cérebro da criança multilíngue não se confunde — ele cria pontes.

As crianças não misturam línguas por falta de foco, mas por inteligência.

 Elas usam todos os seus recursos para comunicar o que sentem e pensam.

 Quando dizem “Mãe, cadê o milk?”, estão mostrando que o pensamento delas é integrado — uma única rede de significados onde as palavras transitam com liberdade.

As línguas como espelhos da identidade

Um dia, observei minhas filhas brincando.

 A mais velha falava com a boneca em inglês: “Sit here, honey.”

 A mais nova respondia em português: “Agora é minha vez!”

 E quando se animavam, as duas se voltavam uma à outra em tailandês — a língua da nossa vizinhança por tantos anos.

Naquele instante, entendi que cada idioma carregava um pedaço da alma delas.

 O inglês trazia a menina confiante, o tailandês a menina gentil, o português a que ria alto e se sentia em casa.

 Como pedir que escolhessem uma só?

 Apagar uma língua seria apagar uma memória.

Entre Babel e Pentecostes

A Bíblia mostra que Deus é o Senhor das línguas.

 Em Babel, o orgulho dividiu; em Pentecostes, o Espírito falou em múltiplas línguas para unir.

 O polilinguismo, quando visto à luz da fé, é sinal de que o Reino de Deus é polifônico.  Deus não fala apenas uma língua — Ele fala em todas.

Quando nossos filhos aprendem a se mover entre idiomas, eles aprendem também a ouvir o Espírito em frequências diferentes.

 Eles carregam, dentro de si, o eco de Pentecostes.

Entre o medo e a graça

Bilíngue e Plurilíngue

Quando voltamos ao Brasil, temi que elas não se adaptassem.

 Mas logo percebi que adaptação não vem da renúncia — vem da integração.

 Em casa, começamos a brincar de traduzir músicas, misturar expressões, rir dos erros.

 E quando orávamos, cada uma orava na língua que fluía.  O Espírito entendia todas.

Foi ali que percebi: o polilinguismo não é obstáculo espiritual, é território de graça.

 Um lembrete de que Deus é Senhor das palavras, mas também dos silêncios entre elas.

Lições para famílias entre culturas

  1. Valorize todas as línguas.

 Não há “língua certa”. Cada uma expressa parte da graça de Deus.

  • Crie contextos naturais.

 Músicas, filmes, chamadas de vídeo, oração — tudo ajuda a manter viva cada língua.

  • Não corrija, compreenda.

 Quando seu filho mistura palavras, ele está comunicando o melhor que pode.

  • Ore com liberdade linguística.

 O Espírito traduz até o que não conseguimos dizer.

O idioma do coração

Plurilinguismo

Hoje vejo que a pergunta não era “o que fazer com tantas línguas?”, mas

 “como ajudar minhas filhas a amar o Deus que lhes deu todas elas?”

A identidade delas não é confusa — é composta.

 Cada língua é uma janela de graça.

 E eu, mãe intercultural, aprendo com elas a me reconciliar com as minhas próprias línguas também:  a brasileira que sente, a inglesa que organiza, a tailandesa que sorri com o olhar.

Porque o som do Reino é assim — feito de muitos sotaques e de uma só esperança.

 “Pois todos os povos caminharão à luz do Cordeiro.”

 (Apocalipse 21:24)

Por Ludmila Kobi Ghil é mulher multicultural (APMT/SEPAL), comunicadora intercultural e consultora em inteligência cultural. É mãe da Sosso e Vivi, crianças de terceira cultura. Formada em Comunicação Social (UFES), tem especializações em antropologia intercultural, missiologia, e educação bilingue e plurílingue. Ela viveu e serviu em 6 países, incluindo Inglaterra, Austrália, Tailândia, Taiwan e Índia.

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